Total de visualizações de página

SEJAM BEM VINDOS E BEM VINDAS!!!

Neste blog você encontrará lindas poesias de autores renomados e da minha autoria. Fique a vontade para apreciar e comentar as publicações que mais lhe agradar.
Um abraço!!!
Ana Rosa

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Chuva

O sol queima
A poeira se levanta
Entre os galhos secos
São seis meses de espera
Esperando sem ódio nem mágoa
O povo e os animais do sertão
Anciam por um gole d’água
Chuva sagrada
Seja bem vinda entre nós
Venha molhar a aridez
Que maltrata e que destrói.
Ana Rosa Santos

Trabalhador: vítima ou culpado?

É madrugada
Os passarinhos cantam
A cidade acorda
O sol se prepara
Para o mundo iluminar.
A humanidade espera o seu calor
Embora inconsciente disso(muitas vezes)
Para o dia começar.
É muito trabalho
Muito cansaço
Muito patrão
Muita intolerância
Muito mandar
Tudo isso o sujeito vai nesse dia enfrentar.
É o salário?
É muito pouco
Nem dá para sua família sustentar.
Pouco dinheiro
Pouca comida
Pouco lazer
Pouca amizade
Mas mesmo assim ele está sempre ocupado.
E são muitos e muitos dias nessa rotina.
O patrão cresce
O empregado padece.
Trabalhador: vítima ou culpado?
Ana Rosa Santos

Incertezas

Estou intrigada
Não se preocupe, não é com você
É comigo mesma.
De vez em quando me pego assim
Queria tanto descobrir
Quem é que me faz
Esquecer de mim.
É um sentimento corrosivo
Não sei se tenho ódio ou pena de mim
Mas fico com raiva, pode crê.
Sou uma pessoa do “querer”
Quero muita coisa boa
Mas querer é pouco
Eu preciso viver.
Será que sou vitima ou culpada dessa situação?
Porque que embora querendo sim
Continuo a me dizer não?
Estou me desesperando
Tenho vontade de chorar
Cadê o brilho da vida
Que eu não consigo enxergar?
Onde está a harmonia
Que eu sempre procurei?
Porque essa desordem?
Onde foi que eu errei?
Quem sou eu afinal?
Será que me conheço?
Ou não consigo sentir
Por mim nenhum apreço?
Só um vazio me consome
Ainda não sei explicar
Como posso viver
Sem me enxergar?
Talvez realmente eu seja
Uma grande desconhecida
Que busca loucamente
Encontrar uma saída.
Poder olhar para o mundo
E ver a beleza da vida
Erguer os olhos
Enxugar as lágrimas
E voltar a procurar,
Pois se ainda não me conheço
Quero muito me encontrar
Abrir-me para o infinito
E deixar me envolver
Pela bela sensação
De amar e de viver.
Ana Rosa Santos

A graça dos desgraçados

Por aqui nada de flores
Só espinhos...
Que furam a pele
Dói no coração e se aloja na alma
Dos desgraçados, que sem graça
São envolvidos pela dor.
Dor de estômago, de fome
Do descaso, da miséria
Que lhe rouba a juventude
Juventude desgraçada
Envolta na ilusão, na desesperança de um amanhã
Pois o amanhã é o destino quem sabe
E os desgraçados
São apenas conformados.
Ana Rosa Santos

Mãe

Sinônimo de bondade
Ternura e confiança
Nos momentos difíceis
Sinal de esperança.
Luz radiante
Que penetra a escuridão
Preenche o vazio da noite
Com amor e devoção.
Teu gesto me adverte
Com um sorriso me conforta
Um olhar me repreende
Seu toque me faz viver.
A semente do bem em meu coração plantou
Por isso eternamente serei grata
Àquela que me criou.
O teu carinho me resgata
Tua força é a minha luz
ES um exemplo de grandeza
Que contagia e que seduz.
A cada um de nós
Aqueces com o teu calor
Es verdadeiramente
O fiel retrato do amor.
Ana Rosa Santos

Singularidade

Sei que sou singular
Não sei o que os outros estão pensando
Não tenho a obrigação de saber
Nem os outros a obrigação de me revelar.
Tenho particularidade
Penso o que quero
Ninguém pode me impedir
O pensamento dos outros também é singular
Exatamente por isso
Não o posso controlar.
É um ato masoquista
A isso se submeter
Pois só causa sofrimento e destrói o prazer
O prazer da individualidade
As vantagens da diferença.
Cada um pensa e fala o que quer
Cada um concorda se quiser.
Na verdade não é preciso aceitar
Preciso respeitar
O direito que os outros têm de pensar.
Não tenho obrigação de saber nem de concordar
Como também é obrigado
Minhas idéias aceitar.
É com as diferenças
Que podemos nos surpreender
E nessa complexidade
Uns com os outros aprender.
Ana Rosa Santos

Prece

Me ajude a escrever
Tenho vontade
Preciso aprender
Escrever sobre a vida
Sobre coisas que me incomodam
Fazer do papel um confidente
Da caneta uma amiga inseparável
E juntos contarmos muitas histórias.
Sei que servirão para mim
Será de uma utilidade imaginável.
Para os outros também servirá
Pois escrever é se comunicar.
Quero abrir meu coração
Sentir os meus dedos a caneta tocar
Deslizá-la no papel
E deixar minha alma falar.
Escrever sobre tudo
Amor, sexo, política, terra e paixão
Coisas que fazem parte de mim
E povoam meu coração.
Mas eu quero todo dia
Quero que este desejo
Caminhe sempre ao meu lado
Não só o desejo
Mas também a atitude
À aquele que é maior do que eu
Peço essa virtude.
Ana Rosa Santos

Renúncia

Não sou sua
Não pertenço a você
Quero abrir Mão de tudo
Não quero a nada temer.
Não querem que me achem bonita
Nem para todos me mostrar
Quero ficar tranqüila
Comigo, no meu lugar.
Quero esquecer de tudo
Do cabelo liso
Da pele de seda
Ou do jeans arrojado.
Não quero ser boa mãe
Boa esposa ou boa mulher
Não quero ser mais aquilo
Que o outro quer.
Quero tirar a máscara
Me despir diante da vida
Não quero nada
Nem mesmo as coisas queridas.
Não quero ser boazinha,
Impecável, adorada de todos
Não quero ser mulequinha
Com esse jeito dengoso
Não quero o medo
De dizer que não quero
Não quero um homem
Para me fazer mulher
Cansei de querer
O que não se sabe se quer.
Não quero promessas
De uma vida melhor
Não quero folia
Amizades ou festas.
Não quero uma casa grande
Muito menos um computador
Não quero desilusão
Nem sentimento de dor.
Não quero a perfeição
A isso vou renunciar
Não estou com medo
Quero mesmo é errar.
Não quero ser gostosa
Bonitona ou desejada.
Não quero ser a mulher
A que faz e acontece,
Não quero ser de ninguém
Não quero nada neste mundo.
Não quero ser a estudiosa
A melhor da faculdade
Não quero ter todos os livros
Ou ser a dona da verdade.
Não quero fazer comida
Não quero arrumar a cama
Não quero lavar a roupa
Muito menos saber se você me ama.
Não quero
E não tenho medo de não querer
Há tanta coisa que não quero
Que acabo querendo sem saber.
Não quero acordar cedo
Não quero trabalhar
Ou ficar com medo.
Não quero dançar na rua
Não quero ser elogiada
Não quero ser artista
Aplaudida e admirada.
Não quero saber
O que é certo ou errado
Não quero me defender
Ou me culpar
Quero do fundo do meu ser
Aprender a me amar.
Ana Rosa Santos

Prá me conhecer

Olha
Vou me abrir prá você
Mas me olhe
Vou lhe contar o que não consigo dizer.
Olhe bem para mim
Não estranhe porque estou falando assim.
Não tenha medo
Daquilo que possa ouvir.
Olhe-me intensamente
Como quem quer se fundir.
Olhe mais, pode olhar
Quanto mais me olha
Mais desvenda o meu segredo.
Continue...
Olhe para mim
Com desejo e com prazer
Olhe para mim
Com vontade de me ver.
Olhe nos meus olhos
O mais fundo que poder
Olhe com ternura e devoção
Que conseguirá abrir meu coração.
Somente quem sabe olhar
Tem a alegria de ver
Somente quem sabe me olhar
Poderá me conhecer.
Ana Rosa Santos

Dúvidas de amor

Será que sabemos amar?
Ou simplesmente o que fazemos
É nos apaixonar?
Será que ama quem está apaixonado?
Ou simplesmente está sendo enganado?
O amor é diferente da paixão?
Ou simplesmente não entendemos o nosso coração?

Poetiza das horas tristes

A noite parece infinita
Uma dor corroi o coração
Na agonia dos pensamentos
Não sei se tenho ódio ou compaixão.
É triste está sozinha
A solidão invade a alma
Na escuridão da noite
Não consigo encontrar a calma
Minha tristeza...
Tristeza que me maltrata
Abate o meu corpo
Me fere
Me deixa desolada
E no fundo do meu ser
Acende a infinita chama do desejo
De amar e de viver.
Ana Rosa Santos

Amante

Gosto de poesia
Gosto de poetizar
Abrir o coração
E nas emoções mergulhar.
Fazer uma grande viagem
Sem medo ou ressentimento
Abrir as janelas da alma
E deixar fluir o pensamento.
É um caminho tranqüilo
Ninguém nos impede de ir
A não ser o indivíduo
Que tenha medo de si.
Se ainda não tem coragem,
Vá! Ela te encontra lá
É conhecendo a si mesmo
Que aprendemos a amar.
Se entregar a poesia
É uma forma fascinante
De perceber que a vida
Nos abraça a todo instante.
Às vezes dizemos coisas
Difíceis de entender
Se ninguém quer te ouvir
Pode dizer prá você.
Ana Rosa Santos

De um lado cantava o sol

De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .
Cecília Meireles

Motivo da rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
Cecília Meireles

Todas as Cartas de Amor são Ridículas

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvares de Campos

Grandes são os desertos

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.
Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.
Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.
Fim.
Álvaro de Campos

Encostei-me

Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.
Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.
Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.
Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos —
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o
compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.

Álvaro de Campos

Estou Cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Álvaro de Campos

Às Vezes

Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
Álvaro de Campos

Ali Não Havia

Ali não havia eletricidade.
Por isso foi à luz de uma vela mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler —
A Bíblia, em português (coisa curiosa), feita para protestantes.
E reli a "Primeira Epístola aos Coríntios".
Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província
Fazia um grande barulho ao contrário,
Dava-me uma tendência do choro para a desolação.
A "Primeira Epístola aos Coríntios" ...
Relia-a à luz de uma vela subitamente antiqüíssima,
E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...
Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
"Se eu não tivesse a caridade."
E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma é livre...
"Se eu não tivesse a caridade..."
Meu Deus, e eu que não tenho a caridade! ...

Álvaro de Campos

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença,aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti, pernilongo Filho da Puta!!!!

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundoque ninguém
sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao
pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo
de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono
de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência
de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
e o dono da Tabacaria sorriu.
Álvares de Campos

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Relatos de sonho, ousadia e coragem.


Não sei se sou poetisa
Mas quero poetizar
Usar o lápis e o papel
Para de mim mesma falar.

Vou contar minha história
Com carinho e emoção
Retratando o que vivi
Com ternura e devoção.

Minha vida começou
De forma muito eficaz
Em uma comunidade
Chamada Olho D’água de Trás.

Sou filha de agricultores
Deus me deu este destino
Tenho orgulho dos meus pais
Maria Rosa e Alcidino.

Eu tenho seis irmãos
Uma família maravilhosa
Para que todos me conheçam
O meu nome é Ana Rosa.

Desde criança aprendi
A natureza amar,
Lutar pelos meus direitos
E nunca desanimar.

A escola era um sonho
Não cansei de esperar
Com oito anos de idade
Comecei a estudar.

Minha primeira escola
Na lagoa da pedra aconteceu
E o meu primeiro professor
Se chamava Amadeu.

Aprender ler e escrever
Era tudo que eu queria
Por isso ia para a escola
Transbordando de alegria.

No entanto, como sou negra
Fui muito discriminada
E muitas vezes na escola
Pelos colegas desprezada.

Ia sozinha pelo caminho
Correndo de lagartixa
Mas achava melhor assim
Do que me envolver em rixa.

Tive muitos colegas ruins
Mas sempre tem algum respaldo
Eu gostava dos companheiros
Lucineide e Reginaldo.

Acontecia cada coisa
Que não dá prá esquecer
Com medo de gado e cachorro
Tivemos tanto que correr.

Quando saíamos de casa
Nossa mãe recomendava
“cuidado com o cachorro doido”
Que por aquele mato andava.

Um dia quase morremos
Querendo numa árvore subir
Por causa de um cachorro doido
Que vimos em nossa frente surgir.

Cansados e apavorados
Diante daquele empecilho
Percebemos com “a cara grande”
Que era o cachorro de Otacílio.

Voltamos para casa
Rindo do que aconteceu
Esse fato se passou
Com Lúcia, Naldo e eu.

Gostava de ouvir história
Entusiasmada eu ficava
Mas morria de medo
De umas coisas que pai contava.

Ouvia casos de reis,
Coisas que a mente consome,
Mas os que eu mais temia
Era mula-sem-cabeça e lobisomem.

Nessa época eu já sabia
Ler, escrever e interpretar
Com onze anos de idade
Da igreja fui participar.

Me encontrava com crianças
Grupos de jovens, grupos de crisma
Fazia tudo com amor
Sem medo, ressentimento ou cisma.

Era tão religiosa
Que chegava até sofrer
Imagine que até freira
Um dia eu já quis ser!

Parece inacreditável
Mas foi uma coisa bacana
Passei quinze dias na lapa
Como uma irmã franciscana.

Esses dias fora de casa
Teve um significado profundo
Daquele dia em diante
Abriu-me as portas do mundo.

Desistir de ser freira
Mas útil eu queria ser
Foi então que me ingressei
No grupo da PJMP.

Dentro da pastoral
Me tornei mais potente
De repente descobrir
Que agia politicamente.

Dessa forma continuei
Da comunidade participar
Em forma de associação
E não mais de apenas rezar.

Foi também nesse período
Que apesar da dificuldade
Percebi que estava na hora
De cursar uma faculdade.

Para passar no vestibular
Continuei batalhando
Fazendo cursinho à tarde
E pela manhã estudando.

Ficar na cidade foi difícil
Muitas vezes tive que chorar
Pois para falar a verdade
Nem uma casa eu tinha para morar.

Não fico me lamentando
Falando do meu sofrer
Agradeço às famílias
Que quiseram me acolher.

Estava longe de casa
Mas sozinha não fiquei
No meio da solidão
Uma irmã eu ganhei.

Estou falando de Liana
Com quem partilhei minha sina
Passávamos horas contando
Nossos sonhos de menina.

Era mais uma brincadeira
Que parecia não ter sentido
Mas foi bem nesse tempo
Que conheci o meu marido.

Na casa da minha tia
Esse maluco foi bater
Imagine que nesse dia
Parecia que eu ia morrer.

Mas tudo ficou tranqüilo
Entusiasmada eu fiquei
E foi com esse rapaz
Que mais tarde me casei.

Nessa época eu já tinha
Mais uma companheira para ficar
Era minha irmã mais nova
E juntas fomos morar.

Me acho inteligente
Sempre e em qualquer lugar
E assim sem muita demora
Passei no vestibular.

Eu queria ser agrônoma
Estudar agronomia
Mas como não foi possível
Me formei em pedagogia.

E assim sou professora
Aprendendo a gostar do que não quis
Acredito que terei sucesso
Pois sou uma “eterna aprendiz”

Todo dia aprendo uma coisa
E sigo sem desesperar
Pois como dizia um poeta
“O caminho se faz ao caminhar”.

A vida me ensinou
Em mim mesma acreditar
A lutar pelos meus sonhos
E vê-los realizar.

Sou uma pessoa simples
Às vezes um pouco mimada
Na verdade eu gosto muito
É de ser admirada.

Vou ficando por aqui
Com saudades, mas com alegria
Só não termino minha história
Porque a escrevo todo dia.

Ana Rosa Santos 20/07/09

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O convite

Não me interessa saber como você ganha a vida.
Quero saber o que mais deseja e se ousa sonha em satisfazer os anseios do seu coração.
Não me interessa saber sua idade. Quero saber se você correria o risco de parecer tolo por amor, pelo seu sonho, pela aventura de estar vivo.
Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com sua lua. O que quero saber é se você já foi até o fundo de sua própria tristeza, se as traições da vida o enriqueceram ou se você se retraiu e se fechou, com medo de mais dor. Quero saber se você consegue conviver coma dor, a minha ou a sua, sem tentar escondê-la, disfarçá-la ou remediá-la.
Quero saber se você é capaz de conviver com a alegria, a minha ou a sua, de dançar com total abandono e deixar o êxtase até a ponta dos seus dedos, sem nos advertir que sejamos cuidadosos, que sejamos realistas, que nos lembremos das limitações da condição humana.
Não me interessa se a história que você me conta é verdadeira. Quero saber se é capaz de desapontar o outro para se manter fiel a si mesmo. Se é capaz de suportar uma acusação de traição e não trair sua própria alma, ou ser infiel e, mesmo assim, ser digno de confiança.
Quero saber se você é capaz de enxergar a beleza no dia-a-dia, ainda que ela não seja bonita, e fazer dela a fonte da sua vida.
Quero saber se você consegue viver com o fracasso, o seu e o meu, e ainda assim por se de pé na beira do lago e gritar para o reflexo prateado da lua cheia: “sim”!
Não me interessa saber onde você mora ou quanto dinheiro tem. Quero saber se, após uma noite de tristeza e desespero, exausto e ferido até os ossos, é capaz de fazer o que precisa ser feito para alimentar seus filhos.
Não me interessa quem você conhece ou como chegou até aqui. Quero saber se vai permanecer no centro do fogo comigo sem recuar.
Não me interessa onde, o que ou com quem estudou. Quero saber o que o sustenta, no seu íntimo, quando tudo mais desmorona.
Quero saber se é capaz de ficar só consigo mesmo e se nos momentos vazios realmente gosta da sua companhia.
Oriah Mountain

Resistência

Embora de mãos atadas, regarei todas as flores...
Embora emudecido, falarei só de amor...
Na escuridão da noite meu olhar sereno buscará uma estrela.
Na dor da morte injusta de cada irmão, cada irmã, deixarei florescer a esperança e a coragem de não me entregar ao medo.
Quero morrer lutando tendo como escudo a poesia e como missão amar além da minha incapacidade e fraqueza humana.
mesmo com as asas cortadas voarei sobre as muralhas e pelas grades do ódio contemplarei o sol e a liberdade.
Jornal Mundo Jovem

prisão

Grades correntes e muros
Limitam os passos de alguém
Andando em círculo, sem direção.
Cabisbaixo, de olhos fixos no chão.
O incômodo já não o incomoda
Não se importa com a rotina.
A esperança o deixou prá trás
Nem sonhar não sonha mais.
O mundo todo é esse círculo
Que há tempos se fechou
E quem era combatente
De tanto lutar se cansou.
Uma pequena semente do bem
Plantada no meio de espinho.
Crescer foi uma guerra
Muita pedra em seu caminho.
Numa terra muito árida
Tanto teve que sofrer
Não sei de quem foi a culpa,
Mas feliz nunca pode ser.
E no seu pequeno mundo
Vê o horizonte além do muro
Mas tem medo de se arriscar
Acha o círculo um lugar seguro.
O que será que existe ali?
Será que faz algum sentido?
Ninguém pode dizer
Pois quem poderia saber
Já havia desistido.
Ana Rosa, 17/09/09

Companheiro

Companheiro e amigo
Como é bom falar de ti
Sentir a tua presença
Em muito que já vivi.
São tantas coisas vividas
E tantas para viver
Tenho muita felicidade
Em partilhar a vida com você.
Estou feliz sim
Sem nenhuma hipocrisia
Pautada na realidade
Sem muito de fantasia.
Temos gostos diferentes
Pode crê isso é normal
Porque sempre nos aceitamos
Nunca nos fizeram mal.
Amo a sua existência
E o carinho que você me dar
Fico extremamente feliz
Com o seu jeito de me amar.
Tenho muito prazer
Em ser sua mulher
Mais prazer sinto ainda
Em ver que você me quer.
Eu sei que sou feliz
E não te troco por nada
Pois sou uma mulher querida
Sua amante e sua amada.

Ana Rosa, 15/10/09